Marlene Marques Ávila
A casa está silenciosa, aquele silêncio que traz paz, recompõe, tranquiliza. Olho para a tela do celular, são vinte e três horas do dia quinze de novembro, meu marido dorme tranquilamente ao meu lado. De repente sinto uma enorme vontade de montar a árvore de natal.
Vou procurar a árvore e os enfeites, apanho tudo e levo para o canto da sala. Ponho uma playlist recheada de músicas dos Beatles, cantarolo junto, baixinho. Primeiro desembaraço todos os galhos, fixo bem o galho central e articulo os demais. Depois desamasso as folhas que imitam um pinheiro, pronto, essa é a parte que acho mais difícil, agora é enfeitar.
Separo os enfeites por cores e tamanhos, bolas, laços, “there are places I’ll remember all my life / though some have changed / some forever not for better / some have gone and some remain” diz a canção. Meu pensamento vai ao passado, me traz as vozes e risadas de quando eu montava a árvore com eles ao meu redor:
– Mamãe onde boto essa bola aqui?
– Nesse galho, combina com esse laço.
– Não quero aí, vou botar aqui, veja!
Botava a bola onde queria, se afastava da árvore, examinava:
– Ficou bonito! Vou tirar esse laço daqui, olhe fica melhor nesse outro galho.
Ia pouco a pouco modificando o que eu fazia e deixando ao seu gosto, “ You say yes / I say no / you say stop / I say go, go” fora assim sempre, mas agora não está aqui, talvez neste momento esteja também montando sua árvore, “I wanna hold your hand”.
– Manhê porque a senhora deixa ela desmanchar o que a senhora faz?
– Ela está ajudando, não quer ajudar também?
– Estou de olho aqui, tenho que vigiar para ver se vai ficar bonita, sou o supervisor.
– Ah tá.
Aos poucos a árvore vai tomando jeito, vou dando a forma final, tecendo sem nenhuma pressa, poderia passar a noite fazendo isto, árvore e lembranças formam uma teia só.
Eles cresceram, seguiram seus caminhos, mas os sinto aqui, estarão sempre. Não os modelei, botando um sentimento aqui, uma qualidade acolá; dei, gosto de pensar que sim, o galho central da árvore, o sustentáculo, e eles a enfeitaram a seu modo. Houve erros e acertos, claro e escuro, alegrias e tristezas, desespero, esperança, tudo enfim de que é feita a vida, “when I find myself in times of trouble my mother Mary comes to me”.
Estou quase terminando, mas desejo prolongar este momento, me afasto da árvore, examino com atenção, se ela estivesse aqui já teria visto o que não está bem, tem um gosto estético apurado. Bom, preciso mudar esse enfeite, troco a posição de alguns laços, olho de novo. Me concentro na árvore, não está perfeita eu sei, não poderia, perfeição é utopia, o que é bom, nos move, leva em frente. São tão doces as lembranças, foram tantas as alegrias vividas, “I know it's true / It's all because of you / And if I make it through / It's all because of you.”
Pronto, terminei. Penso quantas vezes mais ainda montarei e enfeitarei essa árvore tão linda. A árvore deles estará pronta? Será que a estão montando com suas famílias? Amanhã vou perguntar.
Um encantamento me envolve, não sei como descrever esta sensação, é como sentir saudade de algo que ainda está por vir, algo que não viverei, lembranças futuras de um doce passado, “I know I’ll often stop and think about them in my life, I love you more”.
Ligo as luzes piscantes da árvore, desligo as luzes da sala e vou dormir.
E-mail: marquesavilamarlene@gmail.com
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