Marlene Marques Ávila
Folia de reis
Era o dia seis de janeiro, festa dos reis magos, a casa estava agitada. Como de costume, o cortejo iria lá, era sempre a última casa a ser visitada, chegavam por volta da meia noite, mas a preparação para recebê-los começava cedo, o presépio ao pé da árvore de natal estava impecável, São José, a Virgem, o Menino e os reis magos, os principais personagens estavam em destaque, havia também algumas prendas para dar aos foliões. Depois de tudo arrumado, era a hora de preparar os deliciosos quitutes, salada, carne de porco com farofa, arroz, feijão e não podia faltar os doces e o bolo em forma de coroa com frutas cristalizadas.
Todo ano era a mesma coisa, mas sempre parecia ser a primeira vez, a mesma animação, a ansiedade da espera pelo cortejo, a festa, a música, as danças, a noite mais animada do ano. No dia seguinte desmontavam a árvore rememorando a festa, os momentos engraçados, os olhares compridos dos rapazes para as moças. Isabel crescera fazendo parte de tudo isso, era uma das melhores memórias de sua infância. Tinha agora dezesseis anos, uma linda moça de cabelos compridos lisos e negros e grandes olhos castanhos.
Desta vez, sua ansiedade com a noite de reis era palpável, estava eufórica, a expectativa da noite festiva não a deixava parar quieta, as mãos habilidosas arrumavam os mínimos detalhes, provava a comida, os doces, precisava ter certeza de tudo ficar perfeito.
Tudo arrumado, a tensão da espera, onde estão eles, porque não chegam logo, todos os ouvidos atentos. Isabel estava linda no vestido vermelho com um decote exagerado, segundo sua mãe, mas que ela teimara em usar, na cintura uma fita com um grande laço amarelo, o longo cabelo trançado. A expectativa em um crescente, por que não chegam?
Enfim ouviram, ainda estavam longe, mas já era possível ouvir o som do tambor, do pandeiro, reco-reco, e à medida que o cortejo se aproximava, os demais sons, as vozes cantando, a viola, o violão, o acordeom. Silêncio na sala, portas e janelas fechadas, só quando ouvissem a saudação “Ô de casa”, e seu Joaquim respondesse “Ô de fora”, Isabel abriria a porta e o cortejo entraria cantando:
– Ô de casa, ô de fora /Somos cantador de reis /Quem mandou foi São José / Cantar reis não é pecado / São José também cantou nesse dia de alegria...
Esse era o sinal para o começo da festa, a entrada dos reis, dos palhaços fazendo piruetas, brincando, chamando todos para dançar. Os olhos de Isabel seguiam a figura do rei Belchior, vez ou outra seus olhares se cruzavam e por um segundo estavam ali, só os dois. Como era possível um segundo reter tanta emoção?
A festa nunca fora tão animada, risos, gracejos, alegria, a refeição, as danças, a distribuição das prendas, a noite da folia dos reis transcorreu como magia.
O dia amanheceu devagarzinho, quase com vergonha de clarear de vez, aos poucos a casa retomou a rotina, varre, limpa arruma. D. Julia chama a filha.
– Isabel! Cadê você? Vamos desmontar a árvore, guardar tudo com cuidado para o ano que vem.
Isabel não veio, sua irmã disse que a última vez que a viu ela estava acompanhando a dança do rei Belchior e seus olhos derramavam amor.
E-mail: marquesavilamarlene@gmail.com
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