Amargura


Marlene Marques Ávila

Estava sempre entristecida, como se tivesse acabado de enxugar as lágrimas, a roupa muito usada, o jeito manso de falar, não se queixava, não mais, mas todos que a ouviam fosse qual fosse o assunto, tinham sempre a impressão do choro contido.
Criara sozinha oito filhos sem uma fonte de renda certa, uma lavagem de roupa hoje, uma faxina amanhã. Não sabia dizer se passou assim a vida, porque não sabia mais o que era viver.
Se conheceram tão jovens, tão cheios de vida, de sonhos, casaram. A vida não era nenhum conto de fadas, mas eles eram felizes, pelo menos para ela aquilo era a felicidade. Ela cuidava da casa, das crianças, o ganho dele não era muito, mas era o suficiente. Ele retornava toda noite do trabalho satisfeito, tagarela, sempre tinha algo para contar, o fulano que faltou de novo, a serralheira enguiçada, o cliente aborrecido porque a grade não ficou como esperava. Algumas noites, após o jantar, tocava ao violão as canções antigas que tanto gostavam, ela cantarolava baixinho. Pela manhã a beijava e saía cedinho “até a noite” dizia.
Nas tardes de sábado levavam as crianças para o parque da cidade e se divertiam. A noite tomavam uma cerveja sentados na calma do quintal. Viveram assim durante dez anos.
Toda noite remoía essas lembranças, refazia cenas passadas, o que não a deixava dormir era a busca do motivo, em que dia e como ela o magoara, se alguma das crianças o aborreceu, se houvera queixas do trabalho, se de alguma forma ele dera pistas de não estar bem e ela não percebera, mas não, nada, não lembrava de nada. Essa era a hora mais amarga, apesar do cansaço o sono não vinha, ficava de olhos fixos no teto remoendo o tempo em que vivera com o pai de seus filhos, sempre se referia a ele assim.
Faz quinze anos que ele a beijou de manhã e disse até a noite, mas quantas noites já se passaram? No primeiro dia pediu aos amigos e familiares para tentar localizá-lo, na serralheria disseram que foi um dia normal, quando terminou o expediente ele se despediu como sempre “até amanhã!”
No segundo dia foi na polícia, aonde voltou um incontável número de vezes, nunca houve uma notícia, nenhuma ocorrência que pudesse se relacionar ao desaparecido; na semana seguinte colocou anúncio no jornal.
Durante uma eternidade esperou todos os dias, chorou todas as noites. Rezou, fez promessa, enlouqueceu, voltou à razão, tinha os filhos para criar. Há quinze anos buscava o motivo. Por que não percebera nada? Como pode ser tão cega? Por que ele partiu? Estará vivo? Aonde mora? Terá alguém?
Há quinze anos ela usa luto, não por ele, não sabe se está vivo ou morto. Não ter essa resposta lhe consumiu a vida. Seria menos desesperador ter um túmulo onde chorar a saudade do tempo em que vivera.

voltar

Marlene Marques Ávila

E-mail: marquesavilamarlene@gmail.com

Clique aqui para seguir este escritor


Site desenvolvido pela Editora Metamorfose