Iniquidade


Marlene Marques Ávila

Devia ter sete, oito anos, chegou junto ao carro, não falou nada, apenas olhou. Quando o vi, assustei-me, mas quando o olhei, o rosto colado ao vidro da janela, vi nos seus olhos toda a tristeza do mundo, o pedido de socorro. Não estava a pedir uma moeda, ou um biscoito, ou outra coisa qualquer dessas que geralmente temos no carro para essas ocasiões.
O que seu olhos pediam era algo muito maior, indagavam do porquê dele estar ali, maltrapilho, cansado, com fome, enquanto os carros passavam àquela hora levando as crianças que vinham de boas escolas para casa, onde poderiam comer o que quisessem, teriam boas camas onde descansar, brinquedos, jogos, computador, todas as comodidades e privilégios enfim, os quais, os filhos de famílias com um bom rendimento podem desfrutar.
O que seus olhos pediam estava além de meu alcance e talvez por isso me constrangi de dar-lhe uma moeda. O sinal abriu e eu segui, mas o olhar daquele menino não saiu de minha lembrança. Me veio à mente a figura da escada, aquela criança, assim como milhares de outras iguais a ela, estão no primeiro degrau, enquanto outras, da mesma idade, privilegiadas, já partem do meio dela. Os degraus que separam uns e outros são a renda, a escolaridade dos pais, as condições de saúde, o acesso a serviços básicos, entre outros condicionantes sociais. Se colocarmos como meta no topo da escada o acesso à universidade enquanto principal meio de formação e qualificação para o mercado de trabalho, teremos aí uma imagem de quão injusta é a competição para conquistar uma vaga em uma universidade pública, forma de ascensão social sonhada por milhões de jovens brasileiros.
Dessa forma, não é pouca coisa os resultados alcançados por escolas públicas nordestinas em 2024. Conforme o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica, as vinte e umas escolas que tiraram nota 10, no ensino da 1ª à 5ª série, estão nos estados do Pernambuco, Alagoas e Ceará, estado que concentra quinze destas escolas.
Contudo, não temos um número exato para informar quantas crianças não são contempladas nesta estatística, porque estão nas ruas, nos olhando através dos vidros das janelas dos carros, elas são a prova que o direito à educação é violado todos os dias. Deveriam estar na escola, em uma boa escola pública, como essas que figuram entre os primeiros lugares do IDEB, de preferência em uma escola de tempo integral, potencializando assim suas chances de chegar ao topo da escada e reduzindo o risco de serem capturadas pela criminalidade.
Merecem aplausos os estados que buscam qualificar o processo educacional, mas é preciso e urgente garantir a universalidade desta educação de qualidade, tirar nossas crianças das ruas, reduzir os degraus entre elas e aquelas que nascem privilegiadas, dar-lhes a chance de ter infância, de sonhar e construir o futuro que quiserem.

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Marlene Marques Ávila

E-mail: marquesavilamarlene@gmail.com

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