Inundação


Marlene Marques Ávila

Estava exausto, quanto tempo mais suportaria aquela posição, se equilibrando para as patas não escorregarem? Fome e sede, apesar do mundão d’água. O instinto o levara até ali, à medida que a água subia, fora procurando um jeito de escapar, dali não havia mais o que fazer, para onde ir, restava esperar.
Em qualquer direção que olhasse, só água e destroços de casas, móveis, roupas, pertences que até pouco tempo tinham seu próprio lugar e utilidade, agora boiavam levados pela força da natureza fora de controle. Também vira passar muitas pessoas, se agarrando a alguma esperança de continuar com vida, esperando socorro, o qual para alguns chegou a tempo, para outros, não.
Enquanto estava ali imóvel, muita coisa acontecera. Crianças perdidas, mães desesperadas; pessoas que apesar do perigo se recusaram a deixar suas casas, se agarrando a qual esperança? Ou segurando no próprio desespero? Agnes caiu do barco, a mãe enlouquecida, pessoas ajudando, mas a água não deu trégua, levou o corpinho frágil encontrado algum tempo depois sem vida. Quantas crianças órfãs? Quantas separadas da família? Quantas Agnes mais?
A atenção de todos voltada para a tragédia, de vez em quando focava nele ali à espera. Veio ajuda de todo lugar, pessoas solidárias para lá se dirigiram, a busca por pessoas em perigo não cessava: encontra, resgata, salva, volta lá para procurar mais. O lado melhor no ser humano se revelando. Uma hora chegaria para ele também.
Quais lições ficariam? Ah quanto tempo catástrofes como essa são anunciadas? O lado pior do ser humano se recusa a mudar o jogo!
Há muito tempo o planeta clama por socorro, grita e esbraveja, mas a humanidade se recusa a compreender. Continua a desmatar, poluir, alterar os ciclos da atmosfera, da água, do solo. Por que é mais importante o crescimento econômico que a conservação de nossa casa, de nossa terra-mãe? O que é tão difícil de compreender nisto? Não desenvolvemos conhecimentos suficientes para equilibrar esta equação?
A imagem daquele cavalo se equilibrando em cima de um telhado de zinco, esperando por ajuda, deveria nos levar além da comoção. Em algum momento se nada fizermos, estaremos todos tentando nos equilibrar em algum inusitado ponto de apoio à espera de ajuda, sem saber quando, se, nem de qual lado ela virá.

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Marlene Marques Ávila

E-mail: marquesavilamarlene@gmail.com

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