E a saúde o que é?


Marlene Marques Ávila

Há cerca de dez dias uma matéria na Folha de São Paulo me chamou atenção por abordar um tema extremamente relevante para toda a população brasileira, e que há décadas é tema de estudos e pesquisas, as quais subsidiam um sem número de trabalhos científicos produzidos nas universidades do Brasil.
A reportagem era sobre uma senhora de 102 anos, a qual paga um plano de saúde há quinze anos. Ela foi notificada pela seguradora que seu plano seria cancelado, assim, sem mais nem menos, teria seu contrato rescindido dali há trinta dias, por uma decisão unilateral, sem maiores esclarecimentos nem explicações.
Como agravante, a reportagem esclarece que a empresa prestadora do serviço tem esse direito, não precisa justificar o cancelamento do plano de saúde desde que avise ao segurado com a antecedência de sessenta dias. No caso, trata-se de uma idosa necessitada de cuidados contínuos, devido à sua saúde frágil, acometida de algumas complicações. A família conseguiu uma liminar garantindo a continuidade da prestação dos serviços.
O direito da seguradora rescindir unilateralmente e sem justificativa o plano de saúde, na prática significa que esta pode usar (e usa) essa prerrogativa para descredenciar o segurado, mesmo em circunstâncias nas quais este mais necessita, isto é, quando precisa usar frequentemente o serviço em decorrência de uma doença, e na velhice mais avançada, como o caso denunciado pela Folha. Conforme a reportagem, a Agência Nacional de Saúde Suplementar acumula o registro crescente de queixas, demonstrando ser esta uma situação muito comum.
O direito universal à saúde garantido por um sistema único público e universal previsto na Constituição Federal de 1988, tem sido posto à prova desde o momento de sua constituição legal, dado que o sistema não se configurou exatamente como único. A saúde suplementar está prevista no Artigo 199 da Constituição: “A assistência à saúde é livre à iniciativa privada” e seus parágrafos.
O artigo citado acima reflete a correlação de forças que demarcou as discussões pautadas na Assembleia Nacional Constituinte, tendo de um lado os defensores de um sistema público capaz de assegurar a saúde como um direito universal, representados por partidos de esquerda, e de outro, os políticos do Centrão, defensores da saúde privada, setor que se fortaleceu substancialmente durante a ditadura com os subsídios estatais para a construção de hospitais e a venda de serviços.
O embate continua até hoje, e é apenas um entre os grandes desafios do Sistema Único de Saúde. A reportagem da Folha ajuda a refletir sobre a gravidade da saúde, bem que antecede todos os outros na existência humana, ser submetida às mesmas regras de mercado como qualquer outro bem de consumo, assim como a necessidade urgente ( conforme o último censo, a população idosa no Brasil aumentou significativamente), de serem observados na regulação do setor de saúde privada, aspectos específicos relacionados ao cancelamento unilateral por parte da operadora dos planos de saúde, de forma a prevenir injustiças e as práticas abusivas.

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Marlene Marques Ávila

E-mail: marquesavilamarlene@gmail.com

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